Conto novo!
Nos desertos do leste de Aera, os pescadores de tempestade tem uma tarefa desafiadora: pescar os espíritos que cavalgam os ventos das tormentas. É a partir destes espíritos que os famosos aeronavios do leste são construídos, mas é um trabalho ingrato: os céus podem ser muito mais terríveis que o mar.
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O velho e o céu
(do universo de Aera, o mundo dos deuses-ventos)
(histórias de Āsh-Sharq, os desertos do Leste)
Nuvens escuras se aproximavam da praia, e o mar começou a se agitar com a fúria da tempestade que viria. Os barcos retornavam apressados para a baía, e logo os pescadores correriam para checar as amarras dos que estavam ancorados.
– Um, um, dois, três, cinco...
Uma golfada de vento soprou com violência pelas frestas do mosaico da mashrabiya, a janela de madeira esculpida das casas do deserto. A pena parou a meio caminho do papiro; o velho Abu voltou seus velhos olhos negros para a janela. Sob as mãos, um intricado arabesco de palavras formando um hexágono de fórmulas mágicas. Alquimia, do tipo rudimentar, que seu velho pai lhe ensinara quando era pequeno. Erguendo-se da velha almofada, descansou a pena na mesa e foi até a janela. Moveu a folha de madeira para o lado, e pôde ver as nuvens negras que se aproximavam, lá fora. Uma tempestade; dali era possível ver os relâmpagos, por sobre os barcos que retornavam.
Agradeceu aos Ventos. Hora de pescar.
Havia tempo que não chegava uma tempestade, já estava ficando sem gemas para vender e assim comprar seu sustento. Cada pedra podia pagar por quase um mês de sua vida simples, às vezes mais, porém os últimos meses foram meses secos e de tempestades raras, e seu estoque estava quase no fim.
Abu passeou os olhos pela estante da sala: havia ainda oito ou nove das pequenas pedras em estoque, flutuando dentro das garrafas de vidro embaçado. Pequenas nuvens envolviam as pedras mágicas, que possuíam um jinni-da-tempestade cada uma, pescados em tormentas anteriores. Uma rolha mantinha as pedras e as nuvens dentro da garrafa, e às vezes, minúsculos relâmpagos brilhavam dentro do vidro. Ele as venderia para fabricantes de aeronavios, mas nem todas as gemas vingavam – muitos jinn-da-tempestade acabam se libertando quando se tentava transferi-los, às vezes devido à qualidade do selo mágico que os aprisionava, às vezes devido à força que alguns possuíam. Isso fazia o preço por elas cair. Era um mercado instável.
O velho Abu deixou a sala e foi para o quarto, o único outro cômodo da casa. Lá, um colchão com almofadas como cama, e uma arca no canto da parede. Abrindo-a, pegou um manto puído que ainda conservava um pouco de sua impermeabilidade, feita com óleo de tubarão, e um óculos de proteção de chuva, feito de vidro e alça de tira de couro. Prendeu-o à cabeça e trocou o turbante por um do mesmo material do manto, ainda mais velho que o primeiro – quase não se podia dizer que se mantinha seco na chuva.
Saindo do quarto, atravessou a sala até um corredor estreito, que saía para o pequeno quintal de terra batida. Lá, duas palmeiras velhas ondulavam ao vento; o quintal ficava no centro aberto da pequena casa de tijolos de adobe, e era também a oficina de Abu.
O vento balançava as ferramentas penduradas numa das paredes. Abu colheu apressado alguns rolos de linha de anzol e seis ou sete mandalas, suas iscas mágicas. Cada mandala era um arco de madeira, não mais largo que um palmo, onde uma pequena rede de seda – ou algodão, quando o dinheiro apertava – era trançada com habilidade, como a teia de uma aranha, desenhando um padrão geométrico que irradiava do centro do arco. No meio do padrão, era amarrada uma pequena gema do tamanho de um polegar. Entre as mandalas, Abu possuía pérolas, ágata e uma rara e pequena esmeralda. O tipo de gema definiria o tipo e temperamento do jinni a ser capturado, e o padrão trançado seguia um cálculo diferente para cada uma. Tudo isso fora ensinado pelo seu velho e pobre pai – que o Vento Leste o tenha – , um segredo dos pescadores de tempestade.
O vento estava ficando forte, agitando suas vestes, embaralhando sua barba grisalha. Com as mandalas à mão, um cantil de água, algumas garrafas de vidro e um punhado de cordas, Abu correu apressado para a lado onde amarrara Shadyia.
O aerobarco flutuava agitado no quintal, à altura de dois ou três homens do chão, acima das palmeiras. Era um barco de quilha aguda e vela triangular, um dhow, não muito diferente dos seus irmãos do mar. E estava contente como um filhote de cachorro quando via seu mestre. Sabia que Abu a levaria para enfrentar a chuva, e isso a alegrava; passara tempo demais ancorada. Ela ondulava no ar, onde os ventos ficavam cada vez mais fortes, ainda presa às amarras do chão. Era quase possível ouvir seu assobio por sobre o barulho do vento - e o assobio de Shadyia foi a surpresa agradável que Abu teve ao terminar de construí-la, o que o fez nomeá-la com seu nome, Voz Bela, na língua do deserto. Seu espírito fora pescado pelo próprio Abu com uma gema de rubi - um tesouro de seu velho pai -, o que significava que Shadyia era impetuosa e corajosa, o temperamento perfeito para um pescador da tempestade.
– Calma, menina – murmurou Abu – eu não ficaria tão contente, a tempestade parece ser das grandes.
Soltou as amarras do aerobarco - que tremulou de alegria - deixando apenas a âncora. Jogou as mandalas, os rolos de anzol, as cordas e garrafas para dentro de uma bolsa de tecido, que amarrou na cintura, tomou a escada de cordas, enrolada num canto, e arremessou os pequenos ganchos para a lateral de Shadyia. O aerodhow desceu um pouco e inclinou para que Abu pudesse subir com mais facilidade. Abu era velho, mas ainda mais forte que muitos dos pescadores mais jovens. Galgou, balançando com o vento, até o interior do aerobarco, e recolheu a escada. Shayia era um pequeno veleiro onde duas pessoas poderiam se acomodar, mas dificilmente três. Fora construída por Abu após a morte do pai, com a melhor madeira que conseguira comprar. A vela, recolhida no pequeno mastro, era de um tecido que já fora branco, amarelado pelos anos de pesca, sol e chuva. Era possível ver os remendos que Abu tivera que fazer, mas a vela ainda era boa para que precisasse comprar outra. Com a força de seu braço recolheu a âncora, presa no chão. Tão logo descansou a peça de ferro no fundo do barco, agarrou com força o leme, porque conhecia Shadyia. Assim que se viu livre, o aerobarco tremeu contente, batendo as membro-asas que nasciam do casco, similar à das borboletas; empinou, recebendo o vento em no casco da proa, e ganhou altitude.
Shadyia subiu rápido, como de costume, Abu dominando firme o leme para guiá-la e segurando o turbante para não perdê-lo. Um trovão rimbombou sobre o mar distante, e logo sentiram algumas das gotas de chuva. Enquanto os barcos corriam de volta para a baía, no mar, Abu seguia em direção ao céu escuro. Em pouco tempo, outros se juntaram à ele: os irmãos Al-Mazin, em seu aerodhow de membro-asas de libélula; mestre Salil e seu filho, navegando Taj, pescado com uma gema de granada - um aerobarco teimoso e resistente; o velho Wafai, velejando sozinho como Abu, que o cumprimentou quando passou por ele, e mais alguns outros, pequenos pontos flutuantes contra o dia que escurecia. Abu divisou um ou dois dos grandes navios da cidade, chamados bhum, mas ele sabia que dessa vez a maioria ficaria em terra. Poucos tinham a habilidade e a coragem – ou ainda a necessidade – de enfrentar as tempestades maiores, e essa não seria tranquila.
Na base da torre de nuvens, algumas nuvens se projetavam para adiante, como um pé de névoas, tomando a forma do que os aeronautas chamavam de nuvem-prateleira. Seguia por toda a frente da tempestade como uma estante do ármario de Abu, uma camada horizontal a enfeitar a base frontal da tormenta.
Os fortes ventos de chuva, que desciam pela frente e por baixo da tempestade, atingiam a superfície da costa e espalhavam a umidade; aquecida com o contato, a umidade subia numa corrente de ar para cima e contra a tempestade, se condensando no limite da tormenta, formando a nuvem de aparência estranha que assustava apenas os que desconheciam o segredos do céu.
Abu tinha que usar os ventos ascendentes para se elevar acima da chuva e entrar na tormenta. Travando o leme, desenrolou as cordas da vela de Shadyia e a deixou à postos, esperando entrar na zona de ventos ascendentes. Quando uma forte borrasca agitou seu manto e sua barba para frente, ele desfraldou a vela triangular, que inflou, e com um tranco acelerou a subida. Logo os Al-Mazin fizeram o mesmo, e Salil e os demais, todos sendo içados com força para frente e para cima.
A nuvem de tempestade crescia diante dos aerobarcos, como um jinni gigante de fumaça e poder. Era de fato enorme, avaliava Abu, subia como uma torre até quase o oitavo ou nono nível do céu, quando se espraiava para as laterais como uma bigorna de ferreiro. Era possível ver os relâmpagos dentro do gigante de nuvem, e ouvir os trovões sobre o mar.
Os ventos ficaram mais fortes, misturados com mais gotas de chuva. Estavam alto, entrando no segundo nível do céu; já era possível ver parte da nuvem-prateleira por cima. Segurou o leme e as amarras com mais força.
Os ventos aumentaram mais, se é que isso era possível.
Houve um tranco. As velas inflaram e voltaram, e inflaram mais uma vez, e Shadyia guinou para a esquerda com força, depois para a direita, mas Abu não deixaria a turbulência da borda desalinhar as velas e o leme. Ouviu gritos, e pelo canto do olho viu os Al-Mazin lutarem com as amarras. O leme de seu aerodhow estava errado, e isso os fez perder o controle. Foram puxados com força, rodopiando nuvem acima. Shadyia gingou mais duas ou três vezes pela força do vento, e assobiou angustiada, mas Abu manteve-se firme. Ainda restava um pouco de tempo, a borda da nuvem estava próxima, e a cidade lá embaixo parecia um amontoado de peças de um jogo de ifranjiah. Tão logo atravessaram a borda e se viram acima da prateleira, Abu gritou um comando para Shadyia: o aerodhow remou suas membro-asas para frente, para fora da forte corrente que subia, só parando quando a cidade desapareceu sob a nuvem abaixo deles. Os Al-Mazin retomaram o controle de seu aerobarco, mas agora buscavam os ventos descendentes para voltar à cidade; os demais logo alcançaram Abu.
Ele prendeu as amarras da vela, cujos ventos agora puxavam para frente e para baixo, e travou o leme. Shadyia remava para trás com suas membro-asas de borboleta, tentando manter a posição. O velho aeronauta abriu sua bolsa de tecido, tirando de lá quatro das mandalas. Não ousou arriscar a de esmeralda, os ventos estavam muito fortes. Prendeu as mandalas nas linhas de anzol, uma a uma, e suas extremidades em rolos de madeira presos no fundo do aerobarco. Com habilidade, então, desceu as quatro iscas, cada uma de um lado de Shadyia. Deu mais linha para a das de trás, e menos para as da frente, para ter uma mandala em cada altura. O vento as fazia balançar, inclinando-as para frente. Desceu-as tão profundo quanto vinte metros de linha ou mais, a ponto das mais baixas tocarem a nuvem. Os outros não arriscariam as iscas já acima da prateleira, mas Abu sabia manter as suas na profundidade desejada. Deixou as iscas bem amarradas no fundo do barco, e voltou à sua posição. Desceu os óculos sobre o rosto e, tirando um cabo de corda da bolsa de tecido, amarrou sua cintura e pernas ao mastro, dando nós para absorver o impacto.
– É agora, garota – murmurou – vamos descer.
Shadyia parou de remar para trás. Foram gentilmente puxados para frente e então fortemente para baixo, até serem engolidos pela nuvem. Uma descida violenta, durante algumas batidas de coração, em meio à densa névoa até atravessarem-na.
A chuva desabou.
A água começou a pesar no turbante de Abu, mas o manto que o cobria conseguiu se manter seco. Grandes quantidades de chuva encharcaram o interior de Shadyia, mas sumidouros vertiam a água para fora e para baixo. Abu limpava os óculos e se segurava com força, a tempestade jogando o barco para todas as direções. A chuva era tão forte que não podia ver muito longe, apenas as nuvens acima e o mar revolto abaixo. Logo o aerodhow de mestre Salil surgiu no horizonte, com suas mandalas pendendo do barco, mas desapareceu em seguida.
Relâmpagos.
Shadyia assobiava de alegria e desafio, seguindo as ordens de Abu. Num momento, pegaram uma corrente descendente, que os fez descer em queda livre por alguns instantes, mas ganharam altitude logo em seguida. O velho pescador inclinou a vela, controlando o leme e confiando nas membro-asas de Shayia. Trovões e raios ao longe. E chuva. Gingaram mais, para a direita e para a esquerda. Um relâmpago iluminou a escuridão, e um dos anzóis da popa esticou. Abu correu para ele, puxando de volta, e sorriu quando viu resistência. Dando mais linha, deixou que o jinni puxasse livremente a mandala. Precisava deixar bastante linha entre eles, já que Shayia seria ainda puxada para frente e para trás e o anzol podia se romper. Um vento ascendente os empurrou para cima, quase derrubando Abu, mas ele se manteve firme. A linha esticou com força, mas não rompeu; ele deu mais anzol e se sentou no fundo cheio de água do barco.
O turbante pesava, encharcado, e seu manto também começava a se molhar. A tempestade jogou-os para cima e para baixo. Abu tinha que se manter firme dentro do barco e ainda controlar o jinni. Um vento mais forte os puxou muito para a esquerda, esticando a linha, e dessa vez Abu não teve tempo de dar mais anzol: ele sentiu a linha se esticar mais e então afrouxar de repente. Perdera a mandala.
Soltando uma maldição, foi checar as demais, em meio à chuva e aos solavancos de Shadyia. O aerodhow jogava para um lado e para o outro, talvez mais do que o próprio mar abaixo. Um trovão mais alto que os demais estourou ao seu redor. O velho Abu segurou-se com firmeza no mastro, enlaçando uma perna para deixar as mãos livres, caçando outra mandala dentro da bolsa de tecido, tão encharcada quanto seu turbante. Pegou a linha que rompera e começou a amarrá-la com a mandala.
Um relâmpago transformou a tormenta em dia. Na fração de um instante, o velho Abu ergueu os olhos e pode ver, através da abundante chuva, dois outros aerodhows lutando para se manterem no ar, e o grande bhum voltando para costa, vencido pela tormenta. O céu voltou a ficar escuro e o velho pescador hesitou.
Mas a linha de uma das mandalas da proa esticou. Ele teve que largar a isca que ainda não terminara para dar linha na que puxava. A linha esticava com muita força; era um jinni forte para uma mandala de pérola.
Um solavanco de Shadyia fez com que o barco inclinasse quase totalmente de lado; água do fundo, o rolo de cordas e a isca não amarrada voaram para o mar; Abu foi arremessado por sobre a amurada, mas o instinto forte de aeronauta o fez se agarrar na lateral, sem soltar ainda linha, pendurado à centenas de metros acima do mar. Com um meneio de Shadyia, ele se puxou de volta e o aerobarco se estabilizou.
Pelos óculos de proteção, ele pôde ver os demais voltando pra costa, mesmo o teimoso Taj. Aquela tempestade era loucura! Uma das piores que ele enfrentara em anos! Checou o nó da corda que o amarrava ao mastro, e verificou as iscas. Das três restantes, outra se partira, mas a que fisgara ainda estava puxando. Com pressa, deu mais linha, enquanto tentava guiar Shadyia, aos solavancos, para fora da tempestade, tentando não perder o jinni. Já perdera três mandalas sem pescar nada!
Um forte vento descendente empurrou-os para baixo, muito para baixo, mesmo com as membro-asas de Shadyia fazendo força para impedir. Mas o dia estava tão escuro que mar, chuva e céu pareciam a mesma coisa.
Outro relâmpago – e já não eram a mesma coisa. O céu estava distante, a chuva caía sem parar, e o mar era a maior onda que Abu jamais vira, erguendo-se alto, acima deles. Estavam baixo demais! Largou a linha e pulou para o leme antes da escuridão voltar.
– Vai, menina, vai! – gritou.
Shayia assoviou com força e se propeliu para a frente e para cima, mas estava escuro demais para saber se seria suficiente.
A onda atingiu o casco do aerodhow, lançando-o metros à frente, rodopiando.
Um trovão estourou, ou seria a queda da onda?
Abu agarrava-se ao fundo do aerobarco, tentando entender onde estavam, até Shadyia parar de rodar. Ergueu-se atônito e tentou se localizar, mas a costa estava longe demais para ser vista, e o ar escuro demais e chuvoso demais. Tinham que seguir os ventos dominantes, acompanhar a marcha da tempestade para sair dela. Foi até a linha e descobriu que ainda tinha o jinni fisgado, puxando. Resoluto, dominou o leme e começou a puxar o anzol, arriscando romper a linha, mas não podia esperar mais. Um raio brilhou, muito próximo. O aerobarco inclinou para frente e para baixo, e a água fez sua mão tropeçar, fazendo-o ir com a cabeça no mastro. Abu caiu no convés, sem soltar a linha, o rosto encharcado de água e sangue.
Não era um homem de sorte. Nunca fora, mas os Ventos da Fortuna sempre permitiram que tivesse o mínimo, que seguisse em frente. Ergueu-se e voltou para o leme e para a linha, enquanto Shadyia, assobiando angustiada, tentava tirá-los daquele inferno. A mão sangrava e ardia de puxar a linha, que ainda não se rompera, mas ele duvidava que isso fosse demorar muito. Se houvesse bondade no mundo - que fosse este o desejo dos ventos! -, que eles saíssem dali, sem pesca, mas vivos.
Outro relâmpago e ele viu: um tornado se formava atrás deles. O mundo era um lugar terrível.
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A tempestade durou horas e mais horas, até que caísse a noite na cidade. Quando o crepúsculo veio, as nuvens haviam em grande parte se dissipado, e a chuva, que ainda caía, era agora uma calma garoa sobre a costa.
A tempestade fora horrível, afundando alguns dos barcos na baía, mas os ventos passaram ao largo da cidade.
O casebre de tijolos da praia estava vazio. Os ventos vergaram uma das palmeiras do pequeno pátio, e jogaram no chão de terra batida as ferramentas da oficina. O vento fora tão violento que invadira a sala pelas frestas não tão bem fechadas da mashrabiya, derrubando algumas das garrafas da estante. Uma delas se quebrara, e uma pérola, agora já sem jinni, estava caída perto do pé da mesa. Os arabescos no papiro, espalhados pelo chão.
A noite veio quase sem chuva, e era noite de lua nova. As nuvens se foram, e as estrelas brilhavam no globo como se a tempestade nunca houvesse caído ali.
Um grande vulto flutuava, torto, acima da névoa de maresia, sobre as ondas que se quebravam na praia. Vinha do mar. Tinha a quilha aguda, um mastro partido, e membro-asas rasgadas – uma delas quase arrancada. Dentro dela, um vulto velho, com mantos velhos e úmidos. Caído no convés, com um dos braços abraçado ao que restara do mastro, tinha ainda uma linha de anzol partida presa às mãos com firmeza. Talvez ainda restasse força naquelas mãos; talvez fosse só a sombra do último esforço.
O aerodhow caiu pesadamente nas areias em frente ao casebre. Um vento gentil soprou do mar, acompanhando um assobio distante, triste, que pouco a pouco deu lugar ao silêncio.
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Imagem retirada e levemente alterada de: weathersnapshot.com
Imagem retirada e levemente alterada de: weathersnapshot.com
Que legalll vc ja postou o outro! :D Adorei a imagem!
ResponderExcluircara, é o seu segundo texto q eu leio (o outro foi o 'Ãmuru). Crítica: é uma boa narrativa com ideias criativas na construção do mundo, mas é só isso. Acho q vc tem potencial p/desenvolver algo melhor disso. O conto é sobre a morte do abu (se o foco for sobre outra coisa era bom desenvolver melhor, mas acho q a morte dele tem potencial p/fazer este conto excepcional, como o 'Ãmuru). A morte tem diversas abordagens mais ricas do que "narrativa normal...no final talvez ele tenha morrido, áh ele morreu mesmo de forma poética, bem escrita, mas não original o suficiente p/justificar todo o conto". Ex de abordagens: 1. a morte é uma mera questão de azar, ponto máximo poderia seria um "jogar de moeda apostando a vida e dando coroa", frustrando o leitor e deixando um gosto amargo de esperança partida e de impotência. 2.outra abordagem são os momentos finais que precedem a morte para um velho pescador de tempestades, como ele se sente (um infinito de possibilidades); 3. Encontrar a morte ou uma entidade congênere no meio da tempestade; 4. focar de forma mais lírica (e menos técnica, menos apresentar boas ideias) nos momentos finais de um velho pescador de tempestade, p/isso talvez fosse bom já avisar q ele vai morrer, o leitor passa a ficar mais atento a detalhes, ou colocar algo ao final q faça a pessoa reler p/encontrar significados (e ficar na dúvida se há); 5. Tb poderia ser interessante um abu desesperado, que precisava enfrentar a maior tempestade ou morreria de qq jeito, ou decidir morrer de uma forma melhor do que definhar.
ResponderExcluirobs: cuidado ao explorar certos aspectos da morte, as vezes não faz bem.