quarta-feira, 30 de setembro de 2015

[Conto] Hōfuku


Primeiro conto das ilhas do norte de Aera!

Um duelo entre dois onmyojis - os magos guerreiros de Kitakuni.

Espero que gostem (:

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Hōfuku
(do universo de Aera, o mundo dos Deuses Ventos)
(histórias de Kitakuni, as ilhas do Norte)


Um trovão explodiu nos céus acima e mais nuvens se juntaram, como as pessoas que se aglomeravam ao redor deles. Ela soube espalhar a notícia do duelo com sucesso, usando a curiosidade do povo, de modo que uma pequena multidão se formara ao redor dela e Kihei. Ele, visivelmente contrariado por estar ali, não via a hora de terminar tudo. E provavelmente, da forma mais dolorosa que pudesse encontrar.

Mitsuko respirou fundo.


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O mestre estava ajoelhado sobre as pernas, diante dela, e a olhava com seriedade.

Silêncio.

–Você tem certeza disso, Mitsuko-kun?

–Sim! – respondeu ela, fechando com força as mãos sobre o joelho e confirmando com a cabeça para baixo; talvez para esconder um princípio de lágrimas. Havia fúria em sua voz.

– E você acha que pode vencê-lo?


– A-acho – respondeu ela.

Ele se levantou, devagar, e se voltou para a parede dos fundos do dojo, onde estavam penduradas suas duas katanas, Sentaiyō, Mil Sóis, e Senarashi, Mil Tempestades.

Ainda de costas, disse-lhe:

– Há três anos você teve que escolher entre a Luz e o Raio para  aprender a dominar. Você escolheu o Raio.

Ele se voltou e fitou Soratatari, a katana da aprendiz, deitada no chão ao lado dela. A espada que ela mesma ornamentou com relâmpagos e raios, com uma bainha da cor das nuvens de chuva. Fez menção para que ela a erguesse e ela o fez.

– Mitsuko-kun, o que Soratatari significa?

– "Maldição do céu".

– E por que você escolheu essa imagem e esse nome?

– Porque eu quero ser tão terrível e tão veloz quanto o raio da tempestade – respondeu ela, repetindo o pensamento que a motivara, anos atrás, a escolher sua energia de combate.

– E, por caso, o raio hesita?

Silêncio.

– Você hesita porque você ainda não é o raio, não está pronta. Diga-me, num duelo entre dois onmyojis, quem vencerá?

– O mais... o mais habilidoso dos dois – respondeu ela.

– Não, Mitsuko-kun.

Silêncio.

– É o mais preparado.


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Um relâmpago, seguido de um poderoso trovão. As pessoas apontavam e olhavam para ela; uns riam, outros transpareciam pena, outros dúvida.

Kihei, impaciência. Miyake Kihei, mestre onmyoji do estilo Jōshō-kōri-ryū e herdeiro de seu clã, era tão famoso quanto era arrogante. Já vencera duelos com onmyojis fortes e habilidosos e, não fosse a petulância de Mitsuko, que o desafiou abertamente e durante um mês zombou dele nas ruas, não teria perdido seu tempo com ela. Uma desconhecida, da qual só fora ouvir falar recentemente, que não pertencia às famílias tradicionais e, acima de tudo, uma mulher. Ainda lhe causava admiração que o respeitado Dorin Muninosuke a tenha aceitado como aprendiz.

Os primeiros pingos começaram, e enquanto um servo o protegia com um guarda-chuva, outro abotoava as mangas de sua camisa para que não atrapalhassem o combate, e ainda outro amarrava faixas de tecido em seus braços – mera formalidade, já que Kihei não acreditava que seria ferido.

Os braços de Mitsuko também estavam enfaixados, mas o principal motivo era para cobrir as cicatrizes – queimaduras de gelo de meses atrás. Não havia ninguém ao seu lado. Nem seu mestre, o mais próximo que possuía de uma família, se dignou a vir.

Mas ela se preparara muito antes daquele dia.

Outro relâmpago e a chuva começou a ficar mais forte.


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Mestre Dorin contemplava, pela janela do dojo, o alto nevado das montanhas da ilha.

– Mitsuko-kun, o onmyodo é a arte mágica de moldar a pnama através da vontade mago e através da sugestão do alvo. Antes do onmyoji realizar a magia, ela tem que acontecer na mente do adversário.

– Sim, Sensei.

E, entre um piscar de olhos e outro da jovem aprendiz, Dorin desapareceu de sua frente e reapareceu de costas para ela, do outro lado do dojo, em frente às katanas penduradas na parede.

– Venha aqui – chamou ele.

Ela o seguiu, contrariada. Ainda não aprendera a diferenciar sua presença das ilusões que criava, uma técnica dos onmyojis dominadores da luz. Em algum momento ele a fizera acreditar que ele estava na janela e a ilusão funcionou dali em diante.

Mestre Dorin tomou Sentaiyō da parede. A katana possuía uma bainha dourada, que lançava reflexos ao mais leve manusear, e tinha desenhos do sol por toda a bainha e punho.

– A bukigami é a arma do onmyoji e o instrumento de sua magia. Responda-me: qual é o poder de minha bukigami Sentaiyō?

– Controlar a luz e fazer o adversário acreditar nisso – respondeu ela.

– Sim. Controlar a luz é metade do poder dela; a outra metade é fazer você acreditar que ela tem esse poder. A cor, os símbolos, os desenhos, as histórias que você ouviu sobre ela: tudo deve conspirar para impressioná-la e fazer você achar que ela tem esse poder. Quando eu a ilumino – e dizendo isso, puxou a lâmina da bainha e o metal começou a incandescer, primeiro como ferro no fogo, depois ficando tão forte quanto olhar diretamente para o sol. Mitsuko teve que proteger os olhos com as mãos – Metade é você que acha que ela se ilumina.

Dizendo isso, a luz sumiu no próximo piscar de olhos da aprendiz.

– E isso é ainda mais verdade quando se trata de ilusões, já que você sequer precisa saber que tenho esse poder; basta que eu engane sua mente sobre minha posição; o mais puro exemplo de uma sugestão mental.

Silêncio.

– Disso tudo você já sabe – continuou ele – Mas podemos tirar dois ensinamentos disto para o seu duelo: o primeiro, é que você tem que fazer Miyake Kihei acreditar no seu poder e no poder de sua bukigami; o segundo, é que se você tiver a vontade forte, pode evitar a magia dele. Você sabe qual a energia de combate do estilo dele?

– Sim, o estilo Jōshō-kōri-ryū domina o gelo e o frio.

– Metade do poder dele é esse, o resto é você acreditar nisso. Mas se você tiver enfrentado frio e gelo de verdade, será mais fácil vencer as ilusões mentais. Eu... tenho uma sugestão perigosa, porém, se estiver mesmo disposta a duelar com Miyake Kihei – ele suspirou – ele vai matá-la se você perder.

Ela inspirou fundo. Aquilo era verdade e ela devia estar preparada.

Pensou na irmã.

– Estou ouvindo, Sensei.

Dorin se voltou  para a janela, para as montanhas da ilha.

– A caminho do Monte Takayama, na trilha leste, há um kami-guerreiro-do-inverno. Ele aceita desafios de artes marciais em troca de armas de metal; seu corpo é feito de metal e gelo.

Voltou-se para ela.

– Você tem três meses, Mitsuko-kun. Passe três meses lá em cima, treinando com ele, sozinha e caçando sua própria comida – então apontou para os fundos do dojo – No quintal interno temos armas antigas de ferro; leve algumas como pagamento.

Mitsuko assentiu.

– E lembre-se o quão perigoso um kami-guerreiro pode ser – cuidado com seus desafios. Sobreviva e, depois que voltar, marque o duelo com Kihei para daí um mês... E se prepare nesse tempo.


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Mitsuko tremia incontrolavelmente. Estava nua embaixo do único manto seco que restara, enquanto suas roupas secavam nos galhos da árvore mais próxima do penhasco.

Os pés queimavam na neve. Os ventos da montanha eram frios e terríveis, encontravam a menor das frestas do manto para perfurar sua pele com agulhas geladas. Ela abraçava sua bukigami, Soratatari, e um saco de kamas e kunais velhas, oferendas para o kami-guerreiro-do-inverno.

 Não conseguia parar de tremer. Na próxima vez que fosse pescar, usaria a menor quantidade de roupa possível para que tenha o que vestir caso escorregue no rio outra vez.


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O braço esquerdo estava azul e ardia no local onde o kami a havia atingido.

– Levante-se, Mitsuko-kun. Ainda não consegui rendê-la – sorriu o espírito, com dentes pontiagudos de metal.

O kami lembrava um homem alto, grande e esguio, feito de gelo, pedaços de armas e escudos partidos. Os olhos brilhavam com chamas azuis e o sorriso refletia o brilho do metal.

Chamava a atenção um grande escudo quadrado, da nação da ilha Mimasaka, que formava e protegia seu peitoral, e uma curta e valiosa lança de prata, envolta em gelo, provavelmente de um nobre, formando seu antebraço esquerdo. Talvez houvesse ainda uma bukigami dentro dele, a arma mágica de um onmyoji derrotado, e Mitsuko não duvidava que ele tomaria Soratatari caso ela morresse.

A espada vibrou em resposta, nervosa.

Nem pense nisso – sussurrou a katana em sua mente – Ele nem é seu desafio final, Mitsuko. Pense no desgraçado do Kihei. Pense na sua irmã.

Soratatari estava certa. Ela crispou os dentes, e mesmo com o corpo dolorido com o golpe e com o frio, ergueu a espada mais uma vez.


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A chuva já estava forte quando os servos de Kihei o deixaram. Um relâmpago ao longe iluminou os céus. Kihei lançou um olhar impaciente para as nuvens. A tempestade estava rondando a ilha havia alguns dias, precisava desabar justo naquele dia? Um duelo num dia de sol seria muito mais... simples.

Um juiz, provavelmente da mesma casa de Kihei, se adiantou sob um guarda-chuva, com uma placa de madeira nas mãos; a placa que Mitsuko fizera e refizera toda vez que era arrancada pelos servos de Kihei, onde ela tornava público o seu desafio.

– A desafiante, Shinmen Mitsuko, aprendiz de Dorin Muninosuke, mestre do estilo Akarui-tentai-kōsen, desafia Miyake Kihei, herdeiro do clã Miyake e mestre do estilo Jōshō-kōri-ryū, por sua dignidade e sua honra – sentenciou ele.

– Ela é uma mulher, podia restaurar a própria honra sozinha, com um punhal – disse Kihei, alto o bastante para ser ouvido sobre a chuva.

Aquilo ferveu o sangue de Mitsuko, mas no segundo seguinte ela retomou o controle. Ele estava tentando desestabiliza-la? Não. O desgraçado não acreditava que precisasse disso. Ele estava insultando-a, pura e simplesmente. Provavelmente Kihei sequer reconhecera seu sobrenome, o que significava que ele pouco se importara com sua irmã.

Mitsuko achava que vencê-lo poderia ser suficiente, mas cada vez mais acreditava que o único jeito seria matá-lo.


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– Nii-san, o que aconteceu?! – gritou Mitsuko – Por que você não abriu a porta? Eu ouvi gritos! O que... O que aconteceu com você?!

As roupas de Yoshiko estavam rasgadas, e ela se encolhia no canto do pequeno cômodo onde viviam. Chorava. Quando Mitsuko tentou se aproximar da irmã mais velha, mais ela chorava.

– Não toque em mim! – gritou ela – Eu fui desonrada! Desonrada! Saia daqui! Saia!

As roupas rasgadas, o vulto de um homem deixando a hospedagem antes dela chegar. Sangue no tatami.

Os joelhos treinados de Mitsuko bambearam, e ela se permitiu cair para trás. Iria carregar o peso daquela revelação e daquela cena para o resto da vida. Yoshiko, sua irmã mais velha, sua heroína e única família que lhe restou, fora estuprada.

Você não tem culpa! – sussurrou Soratatari na mente de Mitsuko, pois sabia o que lhe ia no âmago – Você não tinha como saber, você não podia proteg...

– Cale-se! – gritou ela, tanto para Soratatari quanto para Yoshiko – Foi Kihei, não foi? Foi aquele desgraçado?

Havia algumas semanas que o herdeiro do nome Miyake cortejava Yoshiko na casa de chá onde ela trabalhava. Eles chegaram a sair algumas vezes, Mitsuko sabia. Mas ao ouvir aquele nome, Yoshiko só pode chorar.

– Nii-san, fique aqui. Eu vou vingar sua honra.

E mesmo diante os gritos de Yoshiko no cômodo e de Soratatari em sua mente, ela deixou a irmã.


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Mitsuko tremia de ódio e raiva. Cuspira e esmurrara o portão da casa Miyake, mas nenhum servo se dignou a recebê-la.

Quando sacou Soratatari, três guardas onmyojis surgiram atrás do portão, exalando frio – aprendizes do estilo Jōshō-kōri-ryū – e exigiram que se retirasse. Dessa vez Soratatari  pôs um pouco de razão em sua mente e conseguiu convencê-la de que não seria páreo contra três oponentes, e qualquer modo, não vingaria a irmã se perdesse ali.

Crispando os dentes de raiva e engolindo o orgulho, embainhou a bukigami e voltou para a hospedaria.

Lá, a irmã, que não era nem uma guerreira nem uma onmyoji, havia feito a única coisa que podia para limpar sua honra.

O sangue ainda empoçava sob o corpo sem vida de Yoshiko, que ainda abraçava o punhal do sepukku.


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– Dorin-sama, eu voltei.

Quem falava era uma Mitsuko de vestes rasgadas e sujas com sangue de ferimentos antigos. Nos braços, cicatrizes de queimaduras de gelo, que nunca mais deixariam sua pele, marcas das lutas contra o kami. 

 Haviam se passado os três meses, e Dorin se permitiu abandonar o semblante impassível e correu pelo dojo vazio – era já noite alta – e tão rápido quanto levantara, já abraçava a jovem aprendiz.

– Mitsuko-kun! Criança, assim que o sol raiasse eu partiria atrás de você!

– Está tudo bem, Sensei. Eu... Consegui.

Ele se afastou e analisou bem o rosto da jovem, que apesar das marcas e feridas, estava resoluto.

– E então... O que você aprendeu?

– Digamos que Miyake Kihei jamais vai me causar tanto frio quanto o que passei lá – e sorriu.


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Um trovão, e todos se afastaram. Iria começar.

Kihei deu uma última olhada para o céu. Era realmente uma lástima que a tempestade caíra justo no dia do duelo. A energia de combate da adversária era o raio, ele sabia, e isso podia dar alguma vantagem para ela.

É possível que tenha sido ela quem invocou a tempestade? – indagou sua bukigami mentalmente, embainhada em sua cintura.

Não seja inocente – retrucou Kihei – Apenas os grandes mestres podem invocar um efeito tão poderoso. Foi sorte.

Prostraram-se, Kihei e Mitsuko, frente a frente. Voltaram-se para o Norte, direção sagrada da guerra, e se inclinaram em reverência, como mandava o costume. O Vento Norte soprou, como para abençoá-los. Voltaram-se um para o outro, fizeram uma reverência formal, e se afastaram.

Kihei tomou sua posição e se voltou para a adversária. Concentrou-se.

Logo começou a irradiar energia fria. Desembainhou sua bukigami, Tōshi, uma katana ornada de azul marinho e branco, com fitas brancas e símbolos de cristais de gelo por toda a bainha e lâmina. Neste momento, a chuva que caía ao seu redor congelou, fazendo nevar sobre Kihei, e cristalizando a poça do chão ao seu redor. As pessoas exclamaram surpresas.

Ele projetou sua energia contra a oponente, lançando cristais de granizo com um golpe da katana sobre Mitsuko, que projetou sua própria energia para frente, explodindo os cristais com a aura de eletricidade estática que criara.

Kihei então avançou, tão rápido quanto a lama permitia. Mitsuko teve apenas duas batidas de coração para recebê-lo.

O golpe congelante, partindo de baixo para cima, encontrou a lâmina de Soratatari.

Quando foi que ela desembainhou a espada? – perguntou-se Kihei. Mas logo a adversária o repelira para trás, recolhendo sua katana e dando uma série de estocadas.

Mas Mitsuko era lenta. Kihei se desviou ou se defendeu de todos os ataques, e no final desferiu um raio de energia azul que a atingiu no peito, e a arremessou deslizando cinco ou seis passadas para trás.

O povo segurou a respiração.

Mitsuko inspirou fundo, mais assustada do que ferida. A superfície do kimono molhado congelara, bem como as pontas de seu cabelo molhado, e sua respiração condensava o ar. Mas pôde sorrir por dentro.

Isso não é nada comparado ao Monte Takayama! – exultou Soratatari em sua mente – Agora é nossa vez!

Mitsuko empunhou a katana com as duas mãos, e a espada estalou com impulsos elétricos. Logo, raios brancos e púrpuros se tornaram visíveis, dançando na lâmina e espetando o ar ao redor, estalando a água da chuva que tocava o metal. Do outro lado, a bukigami de Kihei tinha quase o dobro da espessura original devido ao gelo acumulado ao redor da lâmina. Cristais de gelo flutuavam ao redor da espada.

Agora foi ela quem avançou.

Enquanto se aproximava, lançou sua energia para frente, mandando raios com sua katana em golpes curtos. Kihei desviou de todos com facilidade, e amparou seu ataque com sua lâmina congelada. Gelo e raio explodiram ou redor deles, errando os alvos. Agora, cara a cara, forçavam a lâmina um do outro, e estavam próximos o suficiente para Mitsuko sentir a energia congelante emanando do próprio Kihei.

– Você é muito lenta para um raio, mulher – sussurrou ele.

Um trovão, e Kihei estava agora sozinho. Mitsuko se encontrava à sete passadas dele, a katana em riste.

Mas quando foi que ela... – indagou-se, mas logo interrompeu o pensamento para investir.

Chega de brincar, Kihei – ecoou Tōshi de sua mão.

Kihei abaixou a bukigami e concentrou-se. Sua energia fria congelava a chuva que caía sobre ele, a água do chão e irradiava até Mitsuko e os que assistiam. Investiu. Alguns se encolheram e se cobriam com os braços, outros se afastavam, mas Mitsuko sorriu mais uma vez.

Takayama fora pior, bem pior.

Ela lançou um raio elétrico, que a lâmina de Tōshi desviou no último momento, mas sem conseguir quebrar a investida do adversário.

Recebeu toda a força do golpe ascendente de Kihei com a ponta da espada, partindo o gelo da lâmina e deslizando-a para cima, rodando sobre si mesma para entrar com a espada pela brecha aberta próximo à costela. Mas foi lenta demais, e abriu ela própria uma grande brecha; Kihei desceu com força sua katana.

Tōshi desceu.

Abriu-se um rasgo do pescoço ao tórax, fazendo o corpo de Mitsuko se dividir em dois.

Um relâmpago ofuscou a cena, e ela desapareceu.

Passos apressados atrás dele alertaram o instinto de Kihei, e com dificuldade ele desviou a katana e um raio de energia elétrica com a lâmina de Tōshi, mas o impacto o jogara para trás, no chão, de costas na lama.

O povo ao redor segurou a respiração, e alguns servos de Kihei fizeram menção de intervir, mas outros se opuseram.

– Levanta! – gritou Mitsuko, colérica – Eu não preciso de você caído para acabar com você, filho da puta!

Um trovão ecoou a voz de Mitsuko. Kihei piscou, incrédulo, para o céu escuro.

Quando foi que ela saiu de meu ataque? – indagou-se – Ela não pode ser tão veloz assim... Ou ela estava mascarando a própria velocidade até agora?...

Outro trovão pareceu zombar do pensamento Kihei, ainda no chão. O herdeiro do clã Miyake lançou outro olhar para o céu, que parecia rir dele.

O relâmpago... ela... ela não pode ter invocado a tempestade – duvidou ele – ela não pode ter esse poder.

Ela não tem – assegurou Tōshi, mais para confortá-lo do que de certeza – E não importa, somos os mestres do estilo Jōshō-kōri-ryū.

Isso. Ela não pode ter esse poder.

Tōshi concordou, mas sentiu a confiança de seu portador abalada. Lançou ele mesmo um olhar para as nuvens de chuva.


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– Você é Arima Gunbei-sama? – perguntou Mitsuko, vestindo um longo vestido ao qual não estava acostumada, que cobria os braços queimados. A maquiagem do rosto incomodava, mas era necessária.

– Sim, e quem é a jovem que pergunta? – respondeu um velho senhor de bigode grisalho e cabeça calva, levantando a cabeça da mesa do bar, onde parecia desenhar alguma coisa com sua velha e longa pena. Parecia um idoso comum, mas Mitsuko reconhecera a aura mágica de uma bukigami no pincel que ele usava.

– Sou Miyamoto Omasa – mentiu – da ilha Yoshino. Você é um onmyoji do tempo? Trouxe dinheiro para pagar por um serviço.

O velho sorriu com desdém, mostrando dentes amarelados de erva-de-fumo das nações do Sul.

– O correto seria onmyoji navegador, jovem. Mostre-me o dinheiro e talvez possamos conversar.

Mitsuko jogou em cima do colo do onmyoji uma valiosa lança curta de prata, provavelmente de alguma casa nobre. Gunbei abriu um sorriso de orelha a orelha.

– Diga-me o que quer saber, Omasa-kun.

– Diga-me o dia exato da próxima tempestade elétrica a ocorrer em minha ilha.


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Kihei se levantou e limpou a lama do rosto.

O gelo aumentou com a ferida em seu orgulho, e se espalhou por até quatro, cinco passadas largas ao redor dele.

Um raio riscou o céu.

– Você vai pagar com mais do que a vida pelo insulto, cadela! – retrucou ele.

Um trovão soou, e mesmo Mitsuko pôde perceber hesitação na energia de Kihei quando ele avançou.

Esperou com Soratatari erguida. No último momento desceu a katana, despejando um raio contra ele, mas Kihei desviou e a atingiu no flanco com força o bastante para parti-la em duas.

Mas ela desapareceu.

São... ilusões?? – sua bukigami sussurrou em sua mente, mas o pensamento veio tarde, e Kihei logo teve que tentar se defender de uma série de estocadas que em nada lembravam a lentidão de antes.

Mitsuko era rápida, muito rápida. Cada vez que Tōshi defendia a lâmina inimiga, os pelos do braço de Kihei se eriçavam, anunciando o que aconteceria se sua pele fosse atingida. Se continuasse assim, ela o acertaria. Concentrou energia congelante para revidar, mas então Mitsuko pressentiu uma grande energia no céu; finalmente chegara o principal motivo pelo qual escolhera aquele dia de tempestade: pouco antes de Kihei contra-atacar, um relâmpago iluminou toda a cena, cegando a todos. Ele hesitou. Ela não.

Um grito terrível ecoou acima do trovão que se seguiu. Um grito lancinante de dor e surpresa.

O corpo eletrocutado de Miyake Kihei ainda ficou de pé por duas batidas de coração, com a ponta de Soratatari se projetando de suas costas, mas caiu de lado pouco depois de Mitsuko recolhê-la. Tōshi caiu inerte ao seu lado.

O juiz esperou ainda um pouco, mas Kihei não se moveu. Mitsuko embainhou Soratatari e se afastou; o juiz correu para o onmyoji caído.

– Mestre Miyake?...

Mas Miyake Kihei não respondeu. Nem nunca mais responderia.

Os servos avançaram, armas em punho, e alguns onmyojis também.

Ela deu um passo para trás, erguendo ambas as mãos, e se voltou para o público. Os servos pararam. Manchariam a honra da casa Miyake se atacassem a vencedora de um duelo justo e havia gente demais para testemunhar. Mitsuko se preparara bem.

Uma figura tremeluziu na multidão, materializando-se em Dorin Muninosuke, mas só Mitsuko percebeu. Seus olhos se encontraram; os dele exibiam orgulho. Os dela sorriram de volta.

Um trovão mais fraco anunciou que a tempestade enfraquecia. Yoshiko fora vingada.

Ela virou as costas para os servos impotentes e deixou o lugar do duelo.




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Imagem foda retirada do deviantart de Grobelski

Um comentário:

  1. Adoreiiiii esse conto! Um dos melhores que você já escreveu. #somostodasMitsuko hahahaha O que ficou de mais legal na história foi a "sacada" do mestre sobre como vencer o inimigo: metade é a capacidade que você tem e a outra metade é o que o seu inimigo acha. Genial! Se aplica a tudo na vida e foi definitivo para Mitsuko conseguir seu Hōfuku. ^^ Continue escrevendo!!!

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