sexta-feira, 10 de agosto de 2018

[Mini-Conto] O que jaz nos abismos

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Conto-desafio do E.L.F.A., limite de até 500 palavras, com o tema de uma das duas imagens /o/

Acabei juntando as duas =3


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O que jaz nos abismos


Depois de anos de pesquisa, finalmente, a pérola-vidente me mostrou o caminho.

A muitas léguas de qualquer terra firme, busquei a fenda mais profunda das fossas setentrionais. Ali, mergulhei em busca do meu triunfo.

A pressão da água aumentou conforme eu descia, mas não diminuí a marcha. Outros do povo do mar teriam ido mais devagar, mas um propósito férreo movia minha cauda. Quando a escuridão cresceu, as algas de meu tridente começaram a fosforescer, iluminando meu caminho com um brilho feérico. No limite de minha ansiedade, tive que parar, ofegando pelas guelras e encarando a escuridão abaixo. Mesmo acostumado às cavernas sob o Grande Recife, nunca mergulhei tão fundo.

Arquejando, então, tomei a poção comprada cara das sirenas: feita com o sangue de náufragos e algas raras, me daria a resistência para enfrentar a pressão dos abismos.

Quando a água se tornou mais respirável, recomecei a marcha. Por entre pedras pontiagudas e barrancos de lama, vasculhei as trevas até encontrar o túnel secreto. Meu sangue manchou as sombras quando me feri nas pedras, o tridente iluminando muito pouco enquanto eu me arrastava pelo caminho tortuoso; mas depois de uma série de curvas, o túnel finalmente se alargou, terminando na saída de uma caverna.

Aventurei-me para o amplo espaço.

A câmara de uma enorme gruta se abriu em todas as direções. Sob a luz de centenas de pedras fluorescentes, que pavimentavam ruas largas e parcialmente destruídas, havia prédios e escombros submersos, com a arquitetura das primeiras eras do mundo! Crustáceos e algas cobriam as construções, mas pontes quebradas indicavam que aquela cidade não pertencera originalmente ao fundo do oceano, mas a muitas milhas acima, na superfície do mar!

Nos extremos da caverna ainda era possível ver dunas do deserto que outrora circundou a cidade. Entre os prédios iluminados pela fluorescência das pedras havia uma ampla avenida, ladeada de colunas partidas, que seguia reto até o centro das ruínas, e terminava num arco com duas estátuas do deus-chacal.

Arquejei.

Atrás do arco erguia-se o vulto de uma suntuosa construção: uma imensa pirâmide de pedras claras, que nenhum coral, alga ou concha ousava tocar.

– As ruínas de Thon-Apep, amaldiçoada e afundada pelos primeiros deuses do mar! – ousei gritar de triunfo. – Agora terei a magia dos antigos reis-faraós da superfície!

Mas a maldição dos deuses antigos, ou a instabilidade própria daqueles abismos, fez toda a caverna estremecer com o eco de meu grito, abalando as rochas há tantos anos intocadas. O túnel atrás de mim desmoronou, e grandes pedras se desprenderam do teto enquanto um tremor sacudia toda a gruta submersa.

A caverna iria desmoronar. O desespero de perder minha descoberta sob as pedras foi logo substituído pelo temor por minha vida. Enquanto procurava, em vão, por alguma saída, pensei ouvir algo que ecoava acima do tremor das rochas: uma risada distante, grave e terrível.


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Arte 1 do conto: Lemuria... , por  Dusan Markovic (©2011-2018 DusanMarkovic).
Arte 2 do conto: Cena do jogo Assassin's Creed Origins.

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