Conto de março!
Mais um pouco dos desertos do leste de Aera, seus jinn, suas cidades e suas guerras .
Agradecimentos, é claro, mais uma vez à Rita Maria Félix, pelo incentivo. Se deixar, penso muito sobre outros mundos, e acabo escrevendo pouco.
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As fábulas de Faul
(do universo de Aera, o mundo dos deuses-ventos)
(histórias de Āsh-Sharq, os desertos do Leste)
Alima, única neta de Faul, o chefe do clã dos jinn-da-arte
da cidade secreta de Al-Jazab, estava apreensiva. A prudência de seu pai a
mandara, às pressas, em uma caravana de refugiados para a cidade vizinha, para
fugir do perigo. Pois os reinos dos homens estavam em guerra, e na batalha de
hoje marcharia o terrível Yussuf ibn Kabbar, portador de uma espada mágica
poderosa e invencível em batalha. A guerra seria cruel, e a cidade secreta
dos jinn poderia ser descoberta e saqueada.
Eles partiram perto do meio da tarde, e Alima
pensava preocupada na sua amada família e na sua cidade; nas altas e belas
torres de Al-Jazab, nos arcos de alabastro da cidade-baixa, nos mosaicos de
jade da praça central. Monumentos em sua grande parte, obras suas. Afinal,
Alima era uma jiniri-arquiteta, das mais brilhantes de seu clã,
tendo trabalhado inúmeras vezes para o próprio rei da cidade. Temia pela segurança de Faul e de sua família, mas temia também por suas
obras, suas filhas, pois sabia do poder destrutivo da guerra.
As cornetas dos soldados soavam
distantes, agora, e os ventos frios da noite do deserto começaram a
soprar do leste. Tão logo a caravana interrompeu a viagem, seus magos
puseram-se a desenhar, na areia ao redor do acampamento, o círculo místico
onde derramariam pó de prata e sementes de mirra para erguer o véu de ilusão e
protegê-los.
Mas os ventos do leste aumentaram
rápido demais, e uma terrível tempestade de areia os atingiu antes que o
círculo pudesse ser concluído.
Para seu desespero, Alima, cuja
altura não media dois palmos humanos, foi erguida no ar com facilidade, sendo
terrivelmente carregada pelos poderosos ventos, se perdendo num turbilhão de
areia, escuridão e gritos apavorados. Só se deu conta de que tempestade
terminara – e de que podia respirar direito – muitos minutos depois, que bem
lhe pareceram ter durado toda a noite.
Estava sozinha. Uma pequena jiniri,
perdida na noite do deserto.
Tão logo sua situação ficou
clara, Alima se lembrou das fábulas de seu avô. Uma delas falava
de um jovem jinni que
se perdera do caminho, e foi sua calma que o ajudou a encontrar a trilha.
E Alima aprendera a se manter calma, mesmo diante de um grande problema – a
mesma calma resoluta de quando se deparava com um grande desafio em seus
projetos.
Olhou para o céu. A lua estava
cheia, clareando as dunas, e o pai lhe ensinara a ler as estrelas. Conhecia
fábulas que explicavam, cada uma, onde cada constelação a
levaria se marchasse em sua direção. Assim, sabia em que direção
estava o mar, bem ao norte, ou o caminho para o reino humano de
Al-Iskandaryyia, ao noroeste, e a direção das montanhas distantes, ao sul. Não
sabia o quão longe de casa se encontrava – mas não poderia ser mais longe do
que um dia de caminhada. E com sorte, o vento a carregara para mais perto de
Al-Jazab.
Mas, devia voltar pra casa?
Havia uma fábula onde uma jovem
filha desobedecera as ordens do pai e retornou para casa antes do tempo, e
acabou presa para sempre no feitiço que o pai preparava. Mas havia outra que
contava dos perigos de se andar, sozinha, nas dunas do deserto. Sobretudo na
noite de uma grande batalha.
Compenetrada como estava com
essas questões, quase não viu um vulto alto se aproximar, descendo uma duna. O
andarilho vinha direto em sua direção, e não houve tempo para se esconder.
Gritou:
– Quem vem lá? – disse ela,
erguendo o pequeno bastão-adaga de seu cinto que a sorte não deixara o
vento carregar.
O andarilho – que bem podia ser
um humano, pois era muitas vezes mais alto que Alima – parou, fez um aceno e
uma mesura, dizendo:
– Salve pequena jiniri-das-dunas,
sou Adil, ou melhor, sou Ghazi Adil ibn Malik, um guerreiro, meio-jinni, grande
general do Califado, condecorado pelo próprio Califa e herói da batalha de
hoje! Por acaso não ouviu os clamores de vitória do grande exército sob meu
comando? Pois saiba que estou caçando grupos de soldados derrotados e
desertores, e acredito ser muito perigoso para uma jiniri tão pequena andar tão à vista, mesmo
que estas dunas sejam tua morada.
– Eu sou Alima ibn Basir ibn
Faul, arquiteta-mor da grande cidade secreta de Al-Jazab! Não moro nessas dunas
de areia! Estou justamente voltando para minha cidade – mentiu ela, porque
tinha medo da grande cimitarra de Adil, pendendo de sua cintura, e porque
queria logo que ele fosse embora. Mas o fato de ter soldados e salteadores
perambulando pelo caminho a fez sentir um frio na nuca... ou foi o vento?
– Pois então, deixe que eu lhe
acompanhe, pequena Alima! As dunas essa noite são um território perigoso, e a
companhia de um guerreiro experiente pode lhe ser útil. Ah, tive uma ideia.
Veja – disse ele, mostrando um manto de tecido, que parecia feito de prata,
pelo que reluzia na lua – esse é um manto mágico, inscrito com fórmulas de
ilusão, e pode te tornar invisível! – e assim dizendo, esfregou o tecido em sua
mão esquerda, e quando a retirou, ela havia desaparecido no ar, deixando o
braço incompleto – Veja, seria uma ótima maneira de se proteger de pessoas e jinn maldosos!
Alima hesitou. Havia muitas
fábulas com a ajuda de desconhecidos que não terminavam bem. Porém, pensou mais
uma vez nos soldados perdedores rondando as dunas... o quanto deveriam estar
famintos e desesperados. E poderiam... poderiam tentar violar sua dignidade!
Esse pensamento, mais do que todos os outros, fez com que ponderasse, e
abaixasse o bastão-adaga. E se estivesse cuspindo na boa sorte que os ventos da
fortuna lhe trouxeram? Adil poderia leva-la em segurança para casa...
Nesse momento ela reparou nos pés
do guerreiro – não eram humanos, mas da cintura para baixo, eram pernas de
réptil. Ele realmente havia dito que era um meio-jinni, não? Ele falara tanto e com tantos floreios,
que ela não prestara atenção.
– Então, venha, esfregue-se no manto
da invisibilidade – sorriu Adil, que tinha uma barba espessa e um turbante
pardo cobrindo a cabeça, e um sorriso torto – Eu marcharei ao teu
lado até sua casa.
Alima concordou com a cabeça, mas
antes, lembrou-se de mais uma das fábulas de Faul, onde a prudência
salvara um velho guerreiro, que aprendera a confiar, mas que sempre possuía um
caminho alternativo. Assim, com seu olhar de arquiteta experiente, esquadrinhou
rapidamente o local e reparou que, logo à esquerda de Adil, a duna fazia uma
depressão e descia num pequeno barranco, muitos metros abaixo. Seu cérebro
gravou a informação enquanto se dirigia para o meio-jinni.
– Muito bem, Ghazi Adil, me ajude, e meu avô irá
recompensá-lo com hospitalidade e presentes – disse ela, se aproximando e
sorrindo.
– Muito bem, muito bem, me
acompanhe – sorriu o meio-jinni, cujas
patas com casco de bode afundavam na areia.
Mas, não eram patas de lagarto?
No último segundo, Adil saltou
sobre ela com o manto de invisibilidade e o ergueu, passando rapidamente um
barbante ao redor e fechando-o como um saco.
– Hahahaha! O que temos aqui? Jiniri para jantar! Hahaha, Adil, o
enganador, o meio-jinni-miragem, meio homem,
meio ilusão, conseguiu mais uma vez! – e riu-se, e com isso suas pernas de bode
mudaram-se em duas pernas de camelo – Hahaha, um manto de invisibilidade, sua
estúpida? EU posso tornar partes do meu corpo invisível! Hahaha, ah, se eu
tivesse um manto deste tipo – ou se pelo menos eu pudesse me tornar invisível por inteiro – eu não precisaria fugir como
um desesperado daquela batalha, nem temer os que caçam desertores. Bom, pelo
menos hoje, temos jantar, e eu estava faminto!
E dizendo isso, pegou a faca e
deu um golpe veloz no saco.
Qual não foi sua surpresa quando
viu que, dentro, havia apenas areia?
Alima, no último segundo,
escorregou pelo barranco que a prudência lhe fez perceber, e enquanto Adil se
vangloriava, ela corria, e já descia a segunda duna entre eles, desaparecendo
da vista do bandido. O vento protegeu o barulho de seus passos, mas Adil teria
ido atrás dela, quando notou um grupo de vultos com cimitarras reluzentes
surgir na mesma duna de onde viera. Tinham o mesmo uniforme que ele; eram
soldados do Califa. Sabiam que era um desertor.
Alima estava longe demais para
ver o meio-jinni correr pela sua vida, mas pôde
reparar, imensamente feliz, que de fato o vento a trouxera para mais perto de
casa. Porque logo depois que ultrapassou a duna sob a estrela vermelha do
quadrante oeste, soube que estava em casa. Deu um passo para a
direita e dois para esquerda, e o véu de ilusão se desfez e Al-Jalab
surgiu diante dela. E estava intacta.
E foi assim que a prudência – e,
claro, um pouco de sorte – evitaram que Alima caísse na panela de Adil. E essa
fábula, ah, essa fábula ela mesma contaria para todas as suas nove futuras netas.
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Imagem retirada de: wallpapersak.com
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Imagem retirada de: wallpapersak.com
Que massa Dani, vc escreve mt bem! eu arranho uma ou outra coisa, mas guardo na gaveta... vou ler as outras
ResponderExcluirpor favor continua postando seus contos sao otimos
ResponderExcluirHaha, obrigado Ligia e C. Feeh.
ResponderExcluirEstou trabalhando neste universo, mas continuem acompanhando, vou postar mais contos sim!
Abraços!
É o 3o conto seu q eu leio ('Ãmuru e O velho e o céu) e vc tem ideias excelentes (estou fascinado pelo mundo) e produz uma narrativa muito agradável, gostosa de ler. Mas vc explora/aprofunda/desenvolve pouco os sentimentos dos personagens, exceto a raiva de 'Ãmuru. Abstendo-me de dar uma de psicólogo fajuto, para evitar desastres, sobre este conto:
ResponderExcluirNo segundo parágrafo Alima parece mesquinha. Resumindo: "preocupação com família e cidade/ descrição das grandes obras da cidade/ algumas obras são dela/ ela é muito boa no q faz/ está preocupada com Faul (em vez de avô) e família/ como tb suas obras, suas filhas/ a guerra é ruim p/obras"
P/colocar coisas no mesmo patamar de pessoas é preciso desenvolver bem, de forma gradual. Todo o esforço empreendido,como isso fazia parte da base da vida dela, como isso reflete/faz parte do próprio eu da personagem e que a destruição daquilo seria destruição de si mesma. Nisso dá até p/ir colocando elementos que realcem previamente a importância dos fábulas de faul. No final dá p/retomar isso de forma lírica, ao descrever o sentimento dela ao reencontrar uma obra "x" que significa casa, sorte, família sei lá.
Durante a interação com o jinni-miragem, ou desde q se perdeu, em vez de escrever todas as vezes "como o conto q fazia isso, dizia aquilo literalmente", ficaria melhor, creio eu, escrever algo como "fadas-amora dividem amoras ao meio e comem de costas uma p/outra, p/não virarem pasta de amora, como o velho Faul dizia quando comia amoras" (obs:isso até p/melhorar a sua narrativa nesse ponto, q ficou cansativa ao introduzir o mesmo tipo de elemento da mesma forma todas as vezes, mas q em todos os outros momentos é muito boa)
Obrigado pelos comentários
ExcluirMais de uma vez comentaram sobre a descrição das emoções dos personagens - acho que tenho que praticar mais essa parte.
Vou tentar trabalhar melhor a estima que Alima tem por suas obras, de fato ficou no mesmo patamar que sua família.
Sobre descrever as fábulas, é uma boa ideia, daria mais cor e profundidade ao mundo. Tem o risco de prolongar o conto além do desejado, mas quando for reescrever este, vou tentar desenvolver alguns.
E acredito que descrever demais o reencontro dela com Al-Jazab pode minar o fim do conto, que tem a "moral da história" como ponto principal.
Vlw :D