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Outro conto curto, fruto dos desafios do E.L.F.A (Escritores de Literatura Fantástica Associados), um grupo de escrita e leitura que participo. Dessa vez, o tema foi indecisão, e devia ter no máximo 500 palavras.
Voltamos à 'Ãmuru, o recluso das selvas de Aera.
Espero que gostem :)
A memória no trovão
Outro conto curto, fruto dos desafios do E.L.F.A (Escritores de Literatura Fantástica Associados), um grupo de escrita e leitura que participo. Dessa vez, o tema foi indecisão, e devia ter no máximo 500 palavras.
Voltamos à 'Ãmuru, o recluso das selvas de Aera.
Espero que gostem :)
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(do universo de Aera, o mundo dos Deuses Ventos)
(histórias de Ka'aretama, as selvas do Sul)
(histórias de Ka'aretama, as selvas do Sul)
'Ãmuru era caçado pelas tabas jagüapy já há quase um ano, desde que sua taba fora assassinada. Tudo por causa de sua herança, o ódio tribal, o sangue dos kuapareté.
Ele olhou para a relíquia em suas mãos. Um osso humano, provavelmente o fêmur de um homem, pintado em padrões espirais nas cores amarela e fulva, pontilhado de runas de proteção.
O objeto pulsava – era uma das relíquias protetoras daquela fronteira dos jagüapy, que os guardava contra os vendavais de inverno. Sem ela, a região seria açoitada por ventos terríveis, capazes de vergarem o mais robusto jatobá. Sem a proteção mágica, a estação dos furacões destruiria todas as tabas jagüapy daquela área.
O ferimento ainda em carne viva que o guerreiro-xamã trazia no peito – que teria custado a sua vida se não fosse por sua maldição – era a prova de que encontrara o igarapé secreto e de que vencera o guardião do artefato.
Após meses de busca, a relíquia era sua. Quando a destruísse, varreria seus inimigos daquele braço do rio; mesmo vivendo recluso, teria de volta sua tão desejada paz.
Porém, ele hesitava agora. Deveria seguir com seu intento?
Um trovão ecoou lá fora, tão alto que era possível ouvi-lo mesmo na galeria submersa, trazendo a memória que o fizera duvidar.
Na chuva do dia anterior, quando retornava da luta contra o guardião, fora obrigado a seguir a trilha de uma das tabas que o caçavam. E próximo a ela, ao invés de um inimigo, encontrou uma criança perdida. Um kunumĩ jagüapy.
A criança chorava tão alto quanto o barulho da chuva. Encontrou-o no momento exato de um trovão, e, ao vê-lo, o kunumĩ correu para ele e abraçou suas pernas. Chovia demais e ele era pequeno demais para que discernisse que não era um dos seus. Quando ergueu os olhos, porém, caiu para trás sentado, assustado, sem saber o que fazer.
E pela primeira vez em muito tempo, 'Ãmuru não recebera um olhar de ódio, mas de medo.
Aquilo perfurou sua proteção mágica de um jeito que arma alguma podia fazer, e dobrou seu ódio. Por fim, o guerreiro-xamã se abaixou e explicou, no dialeto dos jagüapy, o caminho para a criança. Ao ouvir sua própria língua o kunumĩ assentiu, tomando o rumo apontado, desaparecendo sob o manto da chuva.
E hoje faltavam seis luas para o início do inverno.
Aquele kunumĩ morava em uma das tabas que seriam destruídas. Aquele e tantas outras crianças, e velhos, e mesmo guerreiros que, ainda, não o tinham feito mal.
'Ãmuru pressionou a relíquia entre os dedos, o espírito dividido. A vingança era sua por direito, mas, ele realmente desejava mais sangue em suas mãos? Logo ele, que já tinha fantasmas demais para carregar?
O inverno veio, os ventos vieram, mas não tocaram naquela curva do rio.
Nunca mais se soube da relíquia.
Ele olhou para a relíquia em suas mãos. Um osso humano, provavelmente o fêmur de um homem, pintado em padrões espirais nas cores amarela e fulva, pontilhado de runas de proteção.
O objeto pulsava – era uma das relíquias protetoras daquela fronteira dos jagüapy, que os guardava contra os vendavais de inverno. Sem ela, a região seria açoitada por ventos terríveis, capazes de vergarem o mais robusto jatobá. Sem a proteção mágica, a estação dos furacões destruiria todas as tabas jagüapy daquela área.
O ferimento ainda em carne viva que o guerreiro-xamã trazia no peito – que teria custado a sua vida se não fosse por sua maldição – era a prova de que encontrara o igarapé secreto e de que vencera o guardião do artefato.
Após meses de busca, a relíquia era sua. Quando a destruísse, varreria seus inimigos daquele braço do rio; mesmo vivendo recluso, teria de volta sua tão desejada paz.
Porém, ele hesitava agora. Deveria seguir com seu intento?
Um trovão ecoou lá fora, tão alto que era possível ouvi-lo mesmo na galeria submersa, trazendo a memória que o fizera duvidar.
Na chuva do dia anterior, quando retornava da luta contra o guardião, fora obrigado a seguir a trilha de uma das tabas que o caçavam. E próximo a ela, ao invés de um inimigo, encontrou uma criança perdida. Um kunumĩ jagüapy.
A criança chorava tão alto quanto o barulho da chuva. Encontrou-o no momento exato de um trovão, e, ao vê-lo, o kunumĩ correu para ele e abraçou suas pernas. Chovia demais e ele era pequeno demais para que discernisse que não era um dos seus. Quando ergueu os olhos, porém, caiu para trás sentado, assustado, sem saber o que fazer.
E pela primeira vez em muito tempo, 'Ãmuru não recebera um olhar de ódio, mas de medo.
Aquilo perfurou sua proteção mágica de um jeito que arma alguma podia fazer, e dobrou seu ódio. Por fim, o guerreiro-xamã se abaixou e explicou, no dialeto dos jagüapy, o caminho para a criança. Ao ouvir sua própria língua o kunumĩ assentiu, tomando o rumo apontado, desaparecendo sob o manto da chuva.
E hoje faltavam seis luas para o início do inverno.
Aquele kunumĩ morava em uma das tabas que seriam destruídas. Aquele e tantas outras crianças, e velhos, e mesmo guerreiros que, ainda, não o tinham feito mal.
'Ãmuru pressionou a relíquia entre os dedos, o espírito dividido. A vingança era sua por direito, mas, ele realmente desejava mais sangue em suas mãos? Logo ele, que já tinha fantasmas demais para carregar?
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O inverno veio, os ventos vieram, mas não tocaram naquela curva do rio.
Nunca mais se soube da relíquia.
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Arte do conto: Sem título, retirado de masterok.livejournal.com
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